O desenvolvimento de negócios correlatos à atividade core como oportunidade para alavancar seu crescimento
Isadora Cohen
Luisa Dubourcq Santana
Publicado originalmente no JOTA
Na última terça-feira, o INFRACAST recebeu a Procuradora-Chefe da VALEC, empresa pública federal encarregada do planejamento da infraestrutura ferroviária, que deu um panorama histórico e atual do setor. Em sua exposição, a Procuradora se manifestou favorável às parcerias estratégicas firmadas pelas estatais, na forma da Lei nº 13.303/2016, entendendo que se dão em ambiente de mercado e, portanto, dispensam a realização de licitação ou chamamento público.
Os exemplos trazidos pela entrevistada para o setor ferroviário – dando conta de que a VALEC já se valeu desse formato para se associar, sem a necessidade de prévio chamamento público, a operadoras privadas para a construção de linhas – servem de incentivo para a disseminação de iniciativas semelhantes em outras empresas públicas e sociedades de economia mista Brasil afora.
O tema não é de todo inovador, dado que a legislação que o rege data de 2016. No entanto, parece ainda não ter se difundido por completo no meio – note-se que a União, apenas, possui 46 empresas e 152 subsidiárias[1] –, e muitas estatais ainda desconhecem os ganhos potenciais com a celebração de parcerias estratégicas com parceiros privados para o desenvolvimento de atividades de mercado correlatas à sua atividade fim.
O art. 28 da Lei nº 13.303/2016, no que se convencionou chamar de “inaplicabilidade” de licitação, dispõe ser desnecessário o processo competitivo quando a “escolha do parceiro esteja associada a suas características particulares, vinculadas a oportunidades de negócio definidas e específicas”, o que pode se dar de forma societária, associativa ou contratual. O dispositivo compreende e se amolda ao papel multifacetado que ocupam as estatais, acostumadas à dualidade entre prestar serviço público e exercer atividade econômica.
É importante diferenciar o intuito da estatal ao realizar procedimento licitatório – contratar um prestador de serviço para o exercício de determinada atividade vinculada ou necessária à atuação central da empresa – do seu propósito na celebração de parcerias estratégicas – encontrar um sócio ou parceiro para, em conjunto, sem uma relação de subordinação, conduzir negócios em ambiente de mercado.
Um exemplo no setor de saneamento talvez contribua para compreender esta dualidade. Para realizar uma obra de construção de determinada estação de tratamento de esgoto, uma estatal de saneamento fica obrigada ao dever de licitar, já que se trata de sua atuação precípua como prestadora de serviço público. Por outro lado, caso deseje comercializar com terceiros água de reuso, gerada a partir de sua atividade, ou promover a transformação do lodo em insumo para processo produtivo, a estatal atua como agente de mercado, e não como prestadora de serviço público, podendo se associar diretamente a um parceiro privado que detenha expertise no tema e, com ele, realizar os correspondentes investimentos e auferir as receitas decorrentes desta nova atividade.
O saneamento, aliás, tem se destacado na utilização do instrumento das parcerias estratégicas, já sendo conhecidas iniciativas de estatais como a Sabesp (em São Paulo) e a Sanepar (no Paraná) na celebração de arranjos com parceiros privados para o desenvolvimento de negócios, a exemplo da produção e comercialização de energia a partir de insumos gerados no processo de tratamento de esgoto.
Arranjos desta natureza, além de não possuírem as amarras naturais de um processo licitatório – justamente porque não se destinam a uma contratação, mas ao desenvolvimento de uma parceria em regime de mercado – permitem que a estatal e o parceiro privado compartilhem riscos, obrigações de investimento e gestão do negócio, apropriando-se dos resultados gerados com a atividade. São, portanto, iniciativas capazes de alavancar o crescimento das estatais, a diversificação da sua atuação e a sua consolidação enquanto agentes de mercado, especialmente relevante no contexto em que se discute a sobrevivência e a perenidade das empresas públicas e sociedades de economia mista.
O Tribunal de Contas da União, inclusive, já teve a oportunidade de se manifestar sobre o tema[2], entendendo que as parcerias estratégicas na forma do art. 28 da Lei nº 13.303/2016 se dão em caráter negocial, em que a estatal atua em pé de igualdade com suas concorrentes privadas e, portanto, dispensada da realização de licitação ou chamamento público. Diferentemente das contratações diretas por inexigibilidade de licitação, em que a premissa é a de haver apenas um prestador apto para o objeto pretendido, na inaplicabilidade de licitação do art. 28, entende-se que a estatal pode escolher qualquer parceiro sólido que demonstre se coadunar com a intenção de desenvolvimento de uma determinada atividade, a qual será exercida em regime puramente privado e, por isso mesmo, prescinde da realização de processo competitivo de escolha.
Exemplos como os da VALEC ou de estatais de saneamento demonstram que há bastante espaço e apetite para que as estatais atuem em regime concorrencial, de mercado, buscando o desenvolvimento de atividades estratégicas e correlatas à sua atuação principal, mas que com ela não se confundem. Para tanto, desfazer-se das amarras tradicionais dos processos de seleção pública é essencial para assegurar que estas companhias alcancem a competitividade necessária ao fortalecimento de sua atuação enquanto agentes
[1] https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/noticias/2019/12/secretaria-de-desestatizacao-revisa-calculo-do-numero-de-estatais#:~:text=Em%20janeiro%20de%202019%2C%20a,n%C3%A3o%2Ddependentes%20e%20suas%20subsidi%C3%A1rias. [2] A título exemplificativo, no Acórdão 2.488/2018 – Plenário.
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