Títulos têm o potencial de transformar a infraestrutura do país
Por: Isadora Cohen e Rodrigo Urrutia. Publicado originalmente no JOTA.
Nas últimas décadas, a conscientização global sobre a importância da sustentabilidade ambiental tem crescido significativamente. A mudança climática, a degradação dos ecossistemas e a necessidade urgente de preservar os recursos naturais impulsionaram a busca por soluções que promovam um desenvolvimento mais sustentável. Esse movimento deu origem à chamada economia verde, que integra práticas econômicas que visam minimizar o impacto ambiental e promover a sustentabilidade.
Em meio a essa transição, uma série de títulos de dívida sustentáveis (títulos verdes, sustentáveis, sociais, vinculados à sustentabilidade e de transição – VSS+) emergiram como ferramentas para alcançar objetivos de transição ecológica. Lideram tais títulos VSS+ os chamados Green Bonds, lançados pela primeira vez em 2007 pelo Banco Mundial e pelo Banco Europeu de Investimento[1].
Os Green Bonds são títulos de dívida emitidos para financiar projetos que trazem benefícios ambientais claros. Esses projetos podem incluir energia renovável, eficiência energética, transporte limpo, gestão sustentável de água e resíduos, entre outros.
No Brasil, o mercado dos títulos VSS+ tem mostrado um crescimento significativo nos últimos anos. Dados da Climate Bonds Inititative indicam que até o final de 2022, somente a dívida de natureza verde, social e de sustentabilidade originária da América Latina e Caribe havia atingido US$ 126,8 bilhões, um aumento de 160% desde junho de 2021[2].
Mundialmente, levantamento da S&P Global Ratings avalia que as emissões de títulos sustentáveis podem somar até US$ 1,05 trilhão neste ano, o que significaria um crescimento de 7% em relação a 2023[3].
Este crescimento é impulsionado por diversos fatores, como a crescente demanda por investimentos responsáveis por parte dos investidores, a pressão para cumprir metas ambientais internacionais e o reconhecimento da importância de uma infraestrutura sustentável para o desenvolvimento econômico a longo prazo.
Para o Brasil, trata-se de oportunidade ímpar. A vasta disponibilidade de recursos naturais, combinada com a necessidade urgente de modernização da infraestrutura, torna o país um terreno fértil para investimentos em projetos sustentáveis. Não é à toa que o próprio Tesouro Nacional estreou no seguimento com a primeira emissão soberana de Green Bonds do país, arrecadando US$ 2 bilhões em 2023[4].
Com tanta notícia bacana, onde está o desafio? A principal característica que diferencia os títulos VSS+ dos títulos convencionais é o compromisso com a sustentabilidade ambiental, que costuma estar atrelada a diretrizes pré-estabelecidas por organizações internacionais, institutos ou empresas especializadas.
Nos Green Bonds, por exemplo, tais diretrizes costumam ser a utilização dos recursos arrecadados exclusivamente em projetos que promovam a sustentabilidade e cumprir com exigências de transparência e prestação de contas, onde devem relatar como os fundos estão sendo utilizados e os impactos ambientais dos projetos financiados.
Entre os arcabouços de diretrizes mais populares, destacam-se os Green Bond Principles (GBP) da International Capital Market Associaton[5]. Entretanto, como podem tais diretrizes abarcarem diferentes cenários, economias, condições políticas e geográficas? A resposta é, muitas vezes, com diretrizes brandas e genéricas, o que contribui fortemente com a utilização dos títulos VSS+ para apenas passar a impressão de sustentabilidade de emissões (o chamado greenwashing).
Pensando nisso, uma série de entidades buscaram adequar tais diretrizes a cenários mais específicos e uniformizando as regras do jogo para suas respectivas localidades, mitigando riscos dos títulos VSS+ serem utilizados como maquiagem sustentável. É o caso do arcabouço normativo da União Europeia[6] e dos nossos vizinhos Colômbia[7] e Chile[8].
No Brasil, visando diminuir o mesmo risco, entidades como a Febraban[9] foram proativas e publicaram diretrizes a serem seguidas na emissão, vide a omissão governamental nesse sentido. Tal medida, entretanto, fomenta também a falta de uniformidade com os títulos emitidos aqui. Por exemplo: um título VSS+ poderia optar por seguir os BGP da International Capital Market Associaton, outro os princípios da Febraban e outro aqueles estabelecidos pela União Europeia.
Felizmente, embora de forma tardia, o governo brasileiro sinalizou no ano passado a criação do Plano de Ação de Taxonomia Sustentável Brasileira[10]. Ele delimita as bases de uma ferramenta cujo objetivo é apoiar a execução de sete metas ambientais e quatro sociais do país e, dentre elas, as diretrizes para a emissão dos títulos VSS+. O plano passou por consulta pública ao final de 2023 e seu lançamento é esperado para o final deste ano, passando a ser obrigatório em 2026.
Embora seja medida necessária, a taxonomia deve ser elaborada com cuidado, com critérios objetivos e medidas concretas de medição de indicadores e transparência. Mais do que isso, as diretrizes devem ser adequadas à economia, ecologia e mercado brasileiro, para que não se torne um arcabouço demasiadamente genérico e propício ao greenwashing.
Diante dos desafios de infraestrutura que o Brasil enfrenta, os títulos VSS+ representam uma solução promissora para financiar projetos de forma sustentável. Eles não só atraem capital necessário para modernizar a infraestrutura, mas também garantem que esse desenvolvimento esteja alinhado com os princípios de sustentabilidade ambiental.
Tais títulos têm o potencial de transformar a infraestrutura do Brasil, promovendo um desenvolvimento sustentável que equilibra crescimento econômico e proteção ambiental. Seu crescimento é positivo e necessário, mas desde que acompanhado por práticas de transparência e prestação de contas. O potencial é grande, mas a Taxonomia Sustentável Brasileira tem que colaborar.
[1]Disponível em:https://www.climatebonds.net/market/explaining-green-bonds. Acesso em 25 de julho de 2024.
[2]Disponível em:https://www.climatebonds.net/resources/press-releases/2023/11/emissão-de-títulos-verdes-sociais-e-de-sustentabilidade-aumenta-160#:~:text=Em%20relação%20aos%20títulos%20VSS%2B,o%20final%20do%20ano%20anterior. Acesso em 25 de julho de 2024.
[3]Disponível
em:https://www.anbima.com.br/pt_br/institucional/publicacoes/perspectiva-de-crescimento-em-2024.htm. Acesso em 25 de julho de 2024.
[4]Disponível em:https://www.correiobraziliense.com.br/economia/2023/11/6654905-brasil-capta-uss-2-bilhoes-na-primeira-emissao-de-titulos-verdes.html. Acesso em 25 de julho de 2024.
[5]Disponível em:https://www.icmagroup.org/sustainable-finance/the-principles-guidelines-and-handbooks/green-bond-principles-gbp/. Acesso em 25 de julho de 2024.
[6]Disponível em:https://finance.ec.europa.eu/sustainable-finance/tools-and-standards/european-green-bond-standard-supporting-transition_en. Acesso em: 25 de julho de 2024.
[7]Disponível em:https://www.taxonomiaverde.gov.co/webcenter/portal/TaxonomaVerde. Acesso em 25 de julho de 2024.
[8]Disponível em:https://www.hacienda.cl/areas-de-trabajo/finanzas-internacionales/finanzas-sostenibles/taxonomia-para-actividades-economicas-medioambientalmente-sostenibles. Acesso em 25 de julho de 2024.
[9]Disponível em:https://cmsarquivos.febraban.org.br/Arquivos/documentos/PDF/Guia_emissão_títulos_verdes_PORT.pdf. Acesso em 25 de julho de 2024.
[10]Disponível em:https://www.gov.br/fazenda/pt-br/orgaos/spe/taxonomia-sustentavel-brasileira/arquivos-taxonomia/cartilha-taxonomia-sustentavel-brasileira-vf.pdf. Acesso em 25 de julho de 2024.
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