Como assegurar equilíbrio fiscal sem inviabilizar o modelo de PPPs para os Municípios brasileiros de pequeno porte?
Isadora Chansky Cohen
Luísa Dubourcq Santana
Victoria Spera Sanchez
Publicado originalmente no JOTA
O gestor público enfrenta inúmeros desafios em sua missão de administrar os serviços prestados à população. Uma delas é a de compatibilizar o orçamento do seu ente com os muitos temas demandando priorização. Um modelo que tem permitido a melhoria na qualidade dos serviços prestados, ao mesmo tempo em que representa uma possibilidade economicamente viável às Administrações Públicas, é o de parcerias público-privadas. No entanto, em muitos casos, as PPPs não conseguem ser implementadas por todos os entes federativos, pois a previsão do art. 28 da Lei n° 11.079/2004[1] (Lei de PPP) pode ser muito limitante para os entes de menor porte.
O referido artigo da Lei de PPP dispõe que a União não poderá conceder garantia ou realizar transferência voluntária aos entes subnacionais caso a soma das despesas de caráter continuado derivadas das parcerias público-privadas contratadas seja superior a 5% da receita corrente líquida do exercício anterior ou projetada para os 10 anos subsequentes.
A regra tem uma razão de ser: ela garante um equilíbrio fiscal nas contas públicas, evitando que os entes federativos assumam compromissos financeiros que não poderão cumprir no longo prazo. É preciso lembrar a longa duração dos contratos de PPP, que podem atingir 35 anos de vigência. O orçamento público pode passar por diferentes momentos no decorrer de três décadas, motivo pelo qual essa cautela com os gastos de longo prazo são relevantes.
Por outro lado, as concessões comuns - que não demandam comprometimento orçamentário direto - nem sempre são viáveis, seja porque alguns projetos não comportam a cobrança de tarifa do usuário (como é o caso de PPPs prisionais ou educacionais, por exemplo), seja porque o princípio da modicidade tarifária requer a complementação da receita da concessionária por meio de contraprestação em projetos mais custosos. Nesses casos, as parcerias público-privadas podem se mostrar saídas interessantes para assegurar a eficiência do gasto público e o incremento da qualidade do serviço disponibilizado à população.
No entanto, o uso desse modelo de parceria ainda é restrito a entes federativos com orçamentos mais robustos, excluindo, sobretudo, os Municípios de pequeno porte, exatamente em razão da restrição de endividamento contida no mencionado dispositivo da Lei de PPP. A restrição do art. 28 é comum a tantos outros problemas do nosso país: desconsidera as diferenças regionais do Brasil.
É preciso considerar que 5% da receita corrente líquida do Município de São Paulo não será o mesmo valor que a de Campinas, tampouco de Borá, considerado o menor município paulista. A mesma lógica se aplica a todo o país: Estados e Municípios, do Oiapoque ao Chuí, vivem realidades orçamentárias muito distintas. Mesmo que a limitação da porcentagem da Receita Corrente Líquida não seja uma proibição terminativa, podendo o ente descumpri-la, esta não é uma opção. Pois, caso o faça, deixará de receber repasse de verbas públicas federais, o que é uma escolha inviável para a maior parte dos Estados e Municípios.
Ao cabo, essa restrição ao valor destinado a PPPs pode fazer com que o administrador público tenha que fazer escolhas muito duras sobre qual projeto priorizar: hospital ou iluminação pública, saneamento básico ou escola, e por aí vai. Esses são serviços que dificilmente poderão ser conformados ou atrairão o parceiro privado em concessões comuns.
Por este exato motivo, a redação do art. 28 já sofreu modificações desde a aprovação da Lei de PPPs em 2004. A limitação começou com 1% da Receita Corrente Líquida, passou a 3% em 2009, e, finalmente, a 5% em 2012. Mas será que a solução é continuar “subindo” a altura da barra? A porcentagem, maior ou menor, continuará a ser desproporcional perante a realidade dos entes federativos. A desproporção está nas receitas, não na porcentagem.
O art. 190 do PL 7063/2017[2], que altera as Leis n° 8.987/95 e n° 11.079/2004, prevê que a porcentagem de limitação da Receita Corrente Líquida seja de 15%. A mudança ajudaria Municípios menores e com receitas, consequentemente, menores. No entanto, a depender da realidade do município, 15% poderá ser pouco. Ao mesmo tempo, 15% poderá desequilibrar o orçamento de Municípios maiores ou dos Estados.
Existem algumas possíveis soluções para que a limitação cumpra com o seu objetivo de garantir o equilíbrio fiscal dos Estados e Municípios sem tolher o uso de PPPs por entes federativos com receitas menores. Hoje, uma única porcentagem incide sobre diferentes receitas. A lógica é a mesma de dar um único remédio a diferentes doenças. Para que a limitação cumpra com o seu objetivo, o remédio deve ser proporcional à doença, ou seja, faria mais sentido que a porcentagem seja diferente a cada faixa de receita - isto é, quanto menor a receita corrente líquida do município, maior o percentual limite para a contratação de PPPs. O modelo talvez não seja ideal, mas garante maior proporcionalidade entre a porcentagem de limitação e a realidade orçamentária do ente.
Outra opção seria a de que a porcentagem do art. 28 não recaia sobre o valor total da PPP, mas somente no valor eventualmente gasto a mais pela escolha desse modelo. Assim, se o Município tem, hoje, um gasto de dez milhões de reais anuais com a operação de um determinado serviço de saúde, e se a PPP destinada a suprir a demanda por aquele mesmo serviço está orçada em 15 milhões de reais anuais, os 5% da receita corrente líquida seriam calculados apenas sobre a diferença entre esses gastos. Por outro lado, tratando-se de um serviço que atualmente não é prestado - como, por exemplo, a construção de uma linha nova de metrô -, o cálculo do limite da RCL seria feito sobre a totalidade do valor estimado para a PPP.
A Lei de PPPs mudou a perspectiva dos serviços públicos, seja pela qualidade do que é prestado, seja pela possibilidade de que parceiros privados atuem em setores antes inviabilizados. No entanto, para que o modelo seja possível a um número maior de entes, a limitação imposta pelo art. 28 precisará ser revista com profundidade maior do que a mera alteração da porcentagem de limitação. O desafio imposto é do tamanho da complexidade do Brasil e dos 5.568 “Brasis” que cada Município representa.
[1] Art. 28. A União não poderá conceder garantia ou realizar transferência voluntária aos Estados, Distrito Federal e Municípios se a soma das despesas de caráter continuado derivadas do conjunto das parcerias já contratadas por esses entes tiver excedido, no ano anterior, a 5% (cinco por cento) da receita corrente líquida do exercício ou se as despesas anuais dos contratos vigentes nos 10 (dez) anos subsequentes excederem a 5% (cinco por cento) da receita corrente líquida projetada para os respectivos exercícios. [2] Disponível em: www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1834942&filename=Parecer-PL706317-19-11-2019. Acesso: 04 out. 2022.