Experiências de exploração de naming rights no setor público brasileiro. O que podemos aprender e como melhorar?
Isadora Cohen
Felipe Schwartz
Matheus Cadedo
Publicado originalmente no JOTA
A busca por novas fontes de receita tem sido a tônica do contexto pós-pandemia, em diferentes mercados. No setor público não é diferente. E os desafios enfrentados têm impulsionado modelos criativos de parcerias com a iniciativa privada (com inovações tecnológicas e novos serviços).
A fronteira da criatividade chegou à exploração de patrocínio, por meio de naming rights que podem ser explorados em equipamentos públicos. A partir disso, novas receitas podem ser auferidas pelo setor público, que atrai e franqueia espaço de exposição e divulgação da marca da empresa interessada.
Apesar de já ser comum em praças esportivas e culturais, a prática tem ganhado espaço em sistemas metroviários pelo mundo. Nesse contexto, dois modelos de naming rights tem se destacado no Brasil: O das estações do sistema metroferroviário paulista (via estatais do Metrô e Companhia Paulista de Trens Metropolitanos - CPTM) e o do metrô fluminense (através do concessionário MetrôRio).
No Metrô paulista, o processo de concessão de naming rights começou em maio de 2021. Em seis estações - com maior potencial de gerar interesse publicitário - foram exploradas as marcas, com a finalidade de trazer recursos financeiros para a companhia.
A concessão possibilita a adição das marcas aos nomes das estações e exibição em formato padronizado em totens, testeiras, mapas e toda a comunicação audiovisual do Metrô. Portanto, não haverá troca de nome atual de estação, tão somente o acréscimo da marca como uma espécie de “sobrenome”. Estes últimos também devem seguir regulamentos previamente definidos, como a não apologia ao consumo de bebidas alcoólicas, cigarros, instituições político-partidárias, entre outros.
Cabe à Concessionária arcar com todo o custo da mudança de painéis, mapas, avisos sonoros e semelhantes mesmo que esse trabalho seja feito pelo próprio Metrô em alguns casos.
Um dos aspectos importantes do processo é a possibilidade de comercialização de espaços com empresas terceiras. Inclusive, é o que aconteceu na Estação Carrão, a primeira concessão de direitos de renomeação no Metrô paulista. Nesse caso, a licitação não atraiu grandes empresas de varejo, mas, sim, empresas de publicidade interessadas em comercializar o espaço com terceiros.
Outro ponto que chama a atenção no projeto paulista é a obrigatoriedade da Concessionária constituir uma Sociedade de Propósito Específico (SPE) para explorar a publicidade da concessão. Ou seja, a empresa vencedora não poderá veicular diretamente sua marca nos espaços do Metrô.
O objetivo principal do projeto é ampliar as receitas não-tarifárias. Mas há, também, um efeito adicional de padronização da sinalização visual das estações, nas quais, atualmente, impera padrões de cor, tamanho e fonte distintos a depender da linha. Com novos e consonantes layouts informativos nas estações, facilita-se a comunicação com o usuário de transporte público.
A exploração dos naming rights no caso destacado se limita às linhas operadas pelo Metrô Paulista. As linhas concedidas à iniciativa privada e o sistema da CPTM não são alcançadas pelo projeto.
Em paralelo, vale destacar, a própria CPTM abriu consulta pública, visando receber contribuições de terceiros para definir a futura concessão do direito de renomear estações. De igual modo, as Linhas 8 e 9, concedidas pela CPTM, possibilitam que a Concessionária explore, como receita acessória, o uso do nome das estações desde que mantida a nomenclatura original.
Já no caso do Rio de Janeiro, a situação é diferente. Ao contrário do que ocorreu em São Paulo, os naming rights foram aplicados em um contexto pontual, emergencial e com normatização escassa. O projeto, efetivado em janeiro de 2021, se deu em um cenário no qual a concessionária MetrôRio buscava equilibrar seu caixa, diante uma queda de mais de 80% da demanda de passageiros no ápice da pandemia da covid-19.
Tendo isso em vista, a empresa celebrou um contrato com o grupo Coca-Cola, para que a estação Botafogo, próxima à sede brasileira da multinacional, passasse a ser denominada “Botafogo/Coca-Cola”. Contudo, a negociação surpreendeu o público ao ser realizada de forma célere e sem debates, consultas ou anúncios prévios.
O contrato de concessão entre o MetrôRio e o Estado é, inclusive, silente sobre o tema dos naming rights. Apesar de haver uma autorização genérica para a busca de receitas acessórias e complementares, não existem especificações ou regras para o uso dos naming rights (coisa que o contrato de concessão das linhas 8 e 9 da CPTM já prevê, por exemplo, em São Paulo).
Enquanto o modelo paulista de naming rights do sistema metroviário contou com o estabelecimento de normas e limitações para a concessão de nomes, o modelo fluminense está baseado em um ajuste (quase) privado. Chamou a atenção o processo e documentos mantidos em sigilo e o quanto dessa receita deverá ser usada para fins de modicidade das tarifas pagas pelos usuários das linhas cariocas.
Surgiram na mídia, inclusive, críticas sobre a forma como o arranjo foi feito no caso do Rio, sob o argumento de que o nome das estações - mesmo que estas estejam sob regime de concessão - constituem um patrimônio público imaterial. Portanto, seu uso e modificação dependeria, ao menos, de diretrizes que permitam a adequação dos arranjos celebrados com o interesse público.
Os arranjos destacados contrastam temas importantes de serem debatidos: a natureza dos "bens” imateriais; a liberdade para disposição e alteração de tais bens; os regimes transacionais viáveis para a monetização de tais bens; a regulação eventual das atividades tratadas; a reversão das receitas oriundas da exploração dos naming rights para fins de modicidade das tarifas.
De qualquer forma, a exploração dos naming rights parece ser uma tendência importante e deve encontrar terreno cada vez mais fértil de desenvolvimento no Brasil, representando uma fonte relevante de receitas complementares e auxiliares aos serviços públicos, ao mesmo tempo que ganham aceitação, cada vez maior, na ótica social e comunitária.
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