Saneamento básico e comunidades locais: quais iniciativas podem ser tomadas como exemplo?
Isadora Cohen
Victor Medeiros
Carolina Carelli
Matheus Cadedo
Publicado originalmente no JOTA
Um dos temas centrais dos pilares ESG aplicável aos projetos de PPPs e Concessões é a comunicação das concessionárias privadas de saneamento com os segmentos populacionais socialmente mais vulneráveis.
Podemos citar três exemplos dignos de destaque quando o tema é esse: a concessão de tratamento de esgotos de Jundiaí-SP; (II) a subconcessão do saneamento de Teresina-PI; (III) a concessão da CEDAE (dividida em diferentes blocos). e (IV) a concessão de saneamento de de Paraty-RJ.. A partir de alguns institutos trazidos no bojo de tais projetos, é possível extrair práticas interessantes para mais projetos de saneamento.
Na Subconcessão de Teresina, a concessionária realizou a construção e manutenção da estação “Fonte do Saber”, um espaço interativo que apresenta os principais processos pelos quais passa a água, desde a retirada dos mananciais, o uso e o seu retorno à natureza. O projeto conta com ambiente similar ao de um laboratório de ciências, com atividades lúdicas e interativas, onde crianças, adolescentes e, inclusive, adultos podem visitar, contribuindo para o aprendizado das comunidades locais. Com isso, a população passa a ter conhecimento de todo o processo de saneamento básico, tomando dimensão dos serviços prestados pela concessionária e dos benefícios que se pode esperar de uma prestação adequada.
Outro projeto de destaque na subconcessão de Teresina é o “Saúde Nota 10”, que proporciona aos professores e alunos das escolas de Ensino Infantil, Fundamental I, Fundamental II e Ensino Médio a oportunidade de aprofundarem seus conhecimentos em cidadania, meio ambiente, água e saneamento, temas que são transversais a diversas disciplinas. Em linha semelhante está o “Projeto Pioneiros'', promovido pela concessionária, que visa aprofundar o conhecimento dos jovens sobre o mercado de trabalho e a atuação de diferentes profissões.
Além disso, por meio do relacionamento com as lideranças comunitárias teresinenses, a concessionária também se aproxima dos moradores, conhece suas necessidades, e ouve sugestões e opiniões sobre os serviços prestados. Além de fazer um balanço dos investimentos e ações desenvolvidas na cidade, as reuniões são uma oportunidade de esclarecer dúvidas, ouvir e oferecer uma resposta às solicitações da comunidade.
Mesma estratégia adotou a recente concessão da CEDAE, que prevê diversos caminhos de diálogo e controle social da sociedade civil sobre os serviços concedidos. Cita-se, nesse sentido, a participação de representantes de setores sociais e de comunidades nos comitês de acompanhamento e monitoramento da concessão, que podem sugerir alterações e adequações na prestação dos serviços públicos.
Iniciativas semelhantes podem ser identificadas no Grupo Águas do Brasil. Como exemplo, cita-se a concessão da Águas de Paraty (sociedade de propósito específico pertencente ao grupo), que conta um projeto de atendimento itinerante às comunidades. O projeto tem como objetivo dar um atendimento especializado e personalizado a diversos bairros. As localidades mais distantes das centrais de atendimento são prioridade. Nesse sentido, são prestados esclarecimentos perante a população, recebendo sugestões e conhecendo a realidade enfrentada pelos moradores.
Essa comunicação entre a prestadora de serviços públicos e a população pode incrementar impactos socioeconômicos positivos gerados em uma região. Nesse sentido, o aumento da oferta, da qualidade e do acesso à infraestrutura tem o potencial de reduzir os níveis de pobreza (Cao et al., 2016; Charlery et al, 2015; Medeiros, Ribeiro e Amaral, 2021). Estima-se, por exemplo, que o número de mulheres vivendo abaixo da linha de pobreza passaria de 21,325 milhões para 20,690 milhões graças ao acesso universal ao saneamento (BRK Ambiental e Instituto Trata Brasil, 2020). Projetos de maior interlocução com os usuários dos serviços e de compreensão das necessidades da Comunidade potencializam esses efeitos.
Já no âmbito de Jundiaí, a concessionária promoveu o programa “Casa da Fonte”. No espaço do projeto, localizado no bairro Novo Horizonte, são desenvolvidas atividades artísticas, culturais, esportivas, de reforço escolar, oficina de emoção, preparação para o primeiro emprego, aulas de geração de renda, cursos semi-profissionalizantes, entre outros. Segundo fontes públicas, a Casa da Fonte atende mensalmente 240 crianças e adolescentes, além de 130 jovens e adultos.
O projeto oferece oportunidades de aprendizado e desenvolvimento pessoal em horários além do turno escolar convencional, permitindo que crianças e adolescentes se desenvolvam em aspectos mais amplos do que as disciplinas oferecidas pelas escolas. Além disso, o estabelecimento de um segundo turno de aprendizado atrelado à comprovação de desempenho satisfatório da criança na escola tende a reduzir as chances de as crianças ingressarem no trabalho infantil e na criminalidade, evitando a evasão escolar.
Com isso, a iniciativa impacta positivamente, de forma direta e indireta, a vida de diversas pessoas do município de Jundiaí. O desenvolvimento educacional das crianças está relacionado com a produtividade que elas terão quando ingressarem no mercado de trabalho, o que deve aumentar a sua renda ao longo da vida. Externalidades sociais positivas também são contabilizadas por conta da redução da criminalidade e da melhoria da qualidade não apenas das crianças beneficiadas diretamente, mas de toda a comunidade de Jundiaí que é afetada de forma indireta.
Nesse sentido, cita-se o estudo do INSPER e a Fundação Roberto Marinho (2020) e Barros et al. (2019), que estimam os custos, trazidos a valor presente, relacionados à perda de produtividade, saúde e criminalidade que as crianças sem o ensino médio completo absorvem durante seu ciclo de vida. De acordo com os estudos, R$ 394 mil é o custo social, ao ano, por jovem que não completa o ensino médio no país. Projetos educacionais de relação com a comunidade podem incentivar a permanência de crianças e adolescentes nas escolas, revertendo em benefícios sociais que podem vir a ser monetizadas.
Em síntese, essas concessões com a iniciativa privada abriram uma série de oportunidades de desenvolvimento social para a população local, contribuindo para maior amplitude do bem-estar social gerado à sociedade, para a construção do conhecimento do que está em seu entorno e dos serviços a ela disponibilizados. Em realidade, trata-se da prestação de um serviço público concedido inclusivo, que busca atender às necessidade das populações socialmente mais vulneráveis e criar caminhos de diálogo com as prestadoras de serviços, o que se mostra de suma importância para melhor atender as necessidades públicas.
Iniciativas como as apresentadas estão apenas no início. Ao nosso ver, os novos projetos de concessão devem ter em mente mecanismos de comunicação e relacionamento com as comunidades locais e suas realidades sociais, em linha com as melhores práticas internacionais como, por exemplo, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU).
Assim, se garante uma prestação inclusiva e socialmente consciente. As boas práticas devem ser expandidas e propagadas, não se restringindo apenas às apresentadas. Com isso, as futuras concessões poderão contribuir, cada vez mais, com o progresso e desenvolvimento social das camadas sociais mais carentes da sociedade.
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