Novas resoluções da ANTT buscam trazer maior aderência à realidade dos projetos de concessão federais
Isadora Chansky Cohen
Victor Medeiros
Luísa Dubourcq Santana
Publicado originalmente no JOTA
O Custo Médio Ponderado de Capital (CMPC), traduzido de Weighted Average Capital Cost (WACC), é a taxa mínima de retorno de um investimento. A taxa é calculada a partir de uma média entre os custos de capital próprio (como recursos dos acionistas da empresa investidora) e de capital externo (como empréstimos fornecidos pelos bancos), e pode ser tomada como um parâmetro da rentabilidade de determinado projeto de investimento.
No âmbito do setor de concessões rodoviárias, o CMPC é um importante componente no cálculo de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro, em decorrência de novas obras e serviços, e nos processos de determinação de tarifas de leilão dos novos projetos de concessões rodoviárias. Isso implica que uma taxa de CMPC defasada e incoerente à realidade econômica, nacional e setorial, impacta diretamente na continuidade das obras existentes e no sucesso de novos leilões.
Até recentemente, a metodologia do CMPC para o setor rodoviário federal apresentava problemas críticos. O primeiro, relacionado ao próprio desenho da metodologia, se refere à não diferenciação do risco dos diferentes projetos de concessão. A metodologia foi pensada para utilização nos fluxos de caixa marginais para equilíbrio econômico-financeiro de concessões em andamento, não permitindo a sua variação para novos projetos e investimentos. Além disso, devido ao crescimento da carteira de novos projetos de concessão no setor e a heterogeneidade desses investimentos em termos de risco, a antiga metodologia se tornou incoerente à realidade dos novos investimentos.
Outro problema consistia no próprio método de cálculo do CMPC. A antiga metodologia previa atualização trienal do CMPC. Uma atualização de 2019 estaria vigente em 2022, por exemplo. Porém, o contexto macroeconômico após esses 3 anos mudou radicalmente, uma vez que houve uma crise sanitária e econômica global, com elevação do preço de insumos essenciais do setor de rodovias, entre diversas outras questões impactantes no país e no mundo. Ademais, o cálculo do CMPC utilizava dados históricos, não levando em consideração dados prospectivos ou de referência (benchmark) de momento quanto ao custo de financiamento de longo prazo.
Por fim, outra limitação se referia à inadequabilidade do método do cálculo da estrutura do capital próprio para manter o CMPC condizente com a realidade no que se refere ao prêmio de risco de mercado. Informações utilizadas para o mercado doméstico se mostraram muito voláteis nos últimos anos, sendo necessário atualizar a metodologia para a tornar representativa.
As limitações da metodologia implicavam, primeiramente, na estruturação de projetos com taxas defasadas e sem considerar seus diferentes níveis de riscos. Isso fazia com que as tarifas ficassem distorcidas. Projetos com baixo risco tendiam a ter tarifas superestimadas, enquanto para projetos com alto risco as tarifas poderiam ficar subestimadas. O resultado era, em muitos casos, o estabelecimento de tarifas que oneravam o usuário mais do que deveriam, ou tarifas tão baixas que extinguiam qualquer interesse de parceiros privados, gerando maior custo regulatório.
Ainda como pano de fundo, o processo de cálculo da CMPC carecia de transparência, diretrizes e detalhamentos. A atualização do CMPC ficava sujeita a interpretações divergentes na execução do cálculo, dificultando sua replicabilidade por parte dos regulados e interessados. Isso atrasava a decisão de investidores, contribuindo com a redução do número de interessados nos projetos, leilões desertos ou pedágios acima do ideal. Um exemplo emblemático é o cancelamento do leilão das Rodovias BR-381-262/MG-ES por falta de interessados, que trouxe à tona a necessidade de mudança da metodologia.
Em dezembro de 2022, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) publicou três Resoluções sobre a nova metodologia a ser aplicada no cálculo do CMPC das concessões rodoviárias federais.
A Resolução Nº 6.002 aprova o regulamento da metodologia para avaliação do nível de risco em concessões rodoviárias. A maior contribuição da resolução é o estabelecimento de 4 faixas de risco (CR0, CR1, CR2 e CR3) para novos projetos de concessão e novos investimentos (não previstos no Programa de Exploração Rodoviária (PER)). As faixas permitem, por meio do estabelecimento de um valor numérico que impactará diretamente o CMPC, a diferenciação dos níveis de risco de diferentes projetos ou de novos investimentos. Um projeto com baixo risco de demanda (como variações no volume de tráfego, por exemplo), ambiental (como a extensão da rodovia em áreas legalmente protegidas) e de interferências ou desapropriações (a exemplo da extensão das rodovias que atravessa densas zonas urbanas), por exemplo, terá determinado valor de CMPC (CR0), enquanto um projeto de alto risco terá esse valor acrescido por um “adicional de risco”.
A Resolução 6.003, por sua vez, aprova o Regulamento da Metodologia de Estimativa do Custo Médio Ponderado de Capital. No âmbito metodológico, a Resolução 6.003/2022 propõe diversos avanços. Primeiro, a estrutura de capital adotada passa a ser calculada com base nos valores de mercado do capital próprio e capital de terceiros das empresas que atuam no mercado de concessões rodoviários do Brasil, dando maior robustez à medição. A resolução estabelece que o cálculo do spread do CMPC (o CMPCs) deverá ser atualizado a cada 3 meses e, sobre esse valor, será somado o valor de benchmark (dado pela parcela fixa da Taxa de Juros de Longo Prazo) vigente de dois meses anteriores à data dos eventos de aprovação na Diretoria Colegiada previstos no art. 24. Haverá atualização, baseada em dados contínuos (mensais ou trimestrais), do custo médio ponderado, permitindo uma adequação à realidade econômica do setor rodoviário do país. E, conjuntamente, a metodologia permite a diferenciação, numérica, das taxas de CMPC, de acordo com os diferentes perfis de risco de cada projeto.
A Resolução nº 6.004 atualiza o spread para o cálculo do custo médio ponderado de capital regulatório para o setor de rodovias. Transitoriamente, para processos de fluxos de caixa marginais objeto de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro das concessões de rodovias federais aprovados pela ANTT entre 2 de janeiro de 2023 até 2 de julho de 2023, a taxa real do CMPCr permanecerá de 8.47% a.a.
Espera-se que a nova fórmula, que propõe contribuições relevantes no âmbito metodológico, seja capaz de trazer maior coerência às taxas de CMPC das concessões rodoviárias do país, tornando mais atrativas aquelas concessões com maior risco e que tem apresentado dificuldades para atrair investidores, e garantir a modicidade tarifária em projetos com nível de risco menor. O acompanhamento efetivo nos próximos meses, por parte dos atores do setor rodoviário e de toda a sociedade civil, será fundamental para a validação e o aprimoramento da metodologia no âmbito das concessões federais, e poderá intensificar a demanda por melhorias similares no âmbito de projetos de concessão nas esferas estadual e municipal.
Complementarmente, o olhar atento aos riscos incluídos na classificação dos projetos também será relevante, uma vez que, devido à dinâmica do setor e da economia brasileira, pode acontecer o surgimento de novos fatores de risco para os projetos ao longo do tempo – como exemplo, riscos de financiamento, novas condicionantes ambientais ou interferências. Garantir que cada projeto esteja classificado em sua “verdadeira” faixa de risco é condição necessária para que a metodologia traga benefícios à sociedade brasileira, e não que seja apenas um novo fator de distorção de tarifas e reajustes no setor.
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