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Cultura de liminares e insegurança jurídica nas concessões: o exemplo de SP

Analisando como a suspensão de disposições que permitem a celebração de aditivos contratuais prejudicam o ambiente de concessões e parcerias público-privadas


Isadora Cohen

Luísa Dubourcq Santana

Caio Riccioppo

Matheus Cadedo


Publicado originalmente no JOTA


Neste ano, a capital paulista enfrenta um problema cada vez mais comum: semáforos apagados. Nos quatro primeiros meses do ano foram registradas 10.523 ocorrências de semáforos quebrados, sendo 7.923 destes apagados ou na luz amarela piscante[1]. Para solucionar a complicação, a Prefeitura de São Paulo buscou aproveitar a expertise de uma parceria público-privada que já era responsável por expandir e manter o sistema de iluminação pública da cidade[2]. A solução foi celebrar um aditivo contratual de R$ 3,8 bilhões com a concessionária Iluminação Paulistana SPE S.A, que também passaria a manter e conservar os semáforos da capital paulista.

Contudo, soluções engenhosas como essa, junto ao portfólio cada vez mais robusto de projetos de parcerias paulistanas, têm sua viabilidade colocada em risco com uma recente liminar concedida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), que suspende a aplicação de normas municipais de aditivos em contratos de PPP.

Em síntese, a liminar do TJ-SP[3], dada em sede de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, ataca a Lei de diretrizes gerais para a prorrogação e relicitação dos contratos do Município (Lei nº 17.731/2022), questionando a constitucionalidade do seu artigo 19, que permitia ao executivo municipal agregar aos contratos de parceria vigentes outros serviços associados.

O argumento para tal foi o de que a disposição teria violado competência privativa da União para legislar sobre normas gerais de licitação. O fato é que este entendimento acaba por não só prolongar a dor de cabeça dos moradores da cidade, como também - e sobretudo - coloca em xeque a inovação em contratos públicos e o amplo panorama de aproveitamento de sinergias e eficiências que tinha sido aberto pela referida Lei.

É notável a inovação do aditivo pretendido, já que ele foi estabelecido de forma consensual entre a Prefeitura e Parceiro Privado, reforçando que contratos de concessão de longo prazo não podem ser engessados, sendo sua possibilidade de alteração diante de novos desafios absolutamente razoável, garantindo eficiência e celeridade à máquina pública.

Com efeito, o Tribunal paulista instaura um cenário de ainda maior insegurança jurídica, desestimulando que administradores busquem a promoção do consensualismo público-privado, com arranjos inovadores e que busquem a readaptação de contratos de longo prazo, em face das novas necessidades dos usuários dos serviços públicos e do próprio poder concedente. A medida retoma a já superada noção de que os contratos públicos são imutáveis, devendo-se, tão somente, cumprir-se o seu texto literal.

Com isso, a suspensão do artigo da referida Lei de Diretrizes Gerais para prorrogação e relicitação dos contratos no Município se mostra como grande obstáculo para construção de um ambiente jurídico propositivo e criativo, imobilizando a criação de soluções adequadas para os problemas reais dos cidadãos, induzindo o legislativo a sempre optar pelo que parece mais seguro, mesmo quando a outra alternativa seja a mais adequada para a realidade da cidade.

Assim, a suspensão coloca em jogo o caráter cada vez mais consensual e flexível das concessões, quebrando a possibilidade de os contratos se adaptarem às novas realidades dos fatos e da negociação, de um para um, com os parceiros que querem propor soluções para problemas que se apresentem ao longo da execução da concessão.

A situação se torna ainda mais instável considerando o teor da liminar, que foi fundamentada pelos vagos princípios jurídicos de “prudência” e “interesse público”, sem que houvesse grande esforço explicativo em adotá-los, em claro desacordo com o art. 20 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB[4]), que veda decisões baseadas em valores jurídicos abstratos, sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.

Essas consequências diretas geradas no âmbito judicial à administração pública são pontos importantíssimos a serem observados por magistrados, principalmente considerando que seus precedentes podem influenciar a decisão dos administradores públicos.

A liminar, na sua forma atual, é um indesejado guia, indicando aos administradores que a inovação e a solução de problemas de maneira consensual, com parceiros privados, é algo que deve ser evitado, por mais positivas que as soluções propostas sejam.

Esse cenário instaurado, portanto, entra em disrupção direta com o cenário de parcerias do município de São Paulo, que está em uma crescente de novos projetos paradigmáticos. Uma liminar como a em questão, sem os debates e ausente a cautela que o tema exige, acaba por irromper com toda lógica das concessões já feitas, gerando um cenário de insegurança jurídica para potenciais novos investimentos.

[1]Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2022/05/falhas-em-equipamentos-sao-responsaveis-pela-maioria-dos-semaforos-apagados-em-sp.shtml>. Acesso em 23 de set. de 2022. [2]Contrato n.º 003/SMSO/2018 assinado em 31/08/2022, com a Concessionária Iluminação Paulistana SPE S.A.. [3]TJSP. Processo 2052416-42.2022.8.26.0000, Rel. Des Vianna Cotrim, Data da Assinatura: 8 de Set. de 2022. [4]Decreto-Lei nº 4.657/42. Conforme o art.20 do diploma:Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.

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