Projeto em debate no Senado pode aprimorar agenda de investimentos privados no setor
Isadora Cohen
Publicado originalmente no JOTA
O Executivo Federal elencou 45 prioridades para a agenda legislativa de 2022. Sinalizou ao Congresso a necessidade de destravar temas relacionados à economia e ao “custo Brasil”. Na agenda de infraestrutura, chama a atenção o tema das Debêntures de Infraestrutura, consolidado no PL 2646, de autoria do Deputado João Maia e relatoria do Deputado Arnaldo Jardim.
Em 2021, o PL foi aprovado pelo Plenário da Câmara. Agora aguarda aprovação pelo Senado. O PL 2646 visa incluir no cardápio de títulos de mercado de capitais mais uma ferramenta de investimento em infraestrutura. Com sua aprovação, além das debêntures incentivadas (lei 12.431/11), teremos as debêntures de infraestrutura.
E no que elas se diferem?
Nas incentivadas o benefício fiscal é fruído pelo comprador do papel (o investidor que adquire o título no mercado); enquanto nas novas debêntures o desconto será gozado pelo emissor (o responsável pelo projeto).
E como funciona a dinâmica? Para as debêntures incentivadas, o processo é o seguinte: Há um projeto de infraestrutura; digamos uma concessão de rodovia. A Concessionária obtém aprovação no ministério correspondente (Ministério da Infraestrutura) para emitir títulos no mercado. A Concessionária (responsável pelo projeto) lança os títulos que serão adquiridos por potenciais compradores. São os investidores adquirentes das debêntures incentivadas que fruirão dos benefícios fiscais.
Nas incentivadas há (i) uma redução de 10 pontos percentuais da alíquota aplicável à pessoa jurídica (redução da alíquota padrão de 25% para 15%) e (ii) de até 22,5 pontos percentuais para a pessoa física.
Ao contrário, com as debêntures de infraestrutura o benefício será gozado pela Concessionária do projeto, a emissora dos títulos que irão a mercado. Assim, os juros que deverão ser pagos pela Concessionária aos investidores (adquirentes das debêntures) são deduzidos da base de cálculo do IR e da CSLL da Concessionária, com um incentivo fiscal adicional.
Comparando as reduções das debêntures incentivadas (até 22,5% para PF, 10% para PJ e 0% para fundos de pensão) e as de infraestrutura (10%), percebe-se que os benefícios gerais são muito parecidos, mas a atratividade de cada tipo de debênture varia conforme o perfil do investidor.
Essa equivalência do benefício entre as duas modalidades de debêntures será expressa por taxas de juros aparentes distintas, para equalizar a remuneração líquida ao credor que paga imposto sobre os juros recebidos das debêntures de infraestrutura, mas não sobre as incentivadas, e simultaneamente possibilitar taxas mais atrativas aos credores isentos de tributação por sua personalidade jurídica, sem que isso implique uma oneração aos projetos, pela transferência desse benefício ao emissor.
Para que o incentivo financeiro fosse equivalente ou comparável com o benefício fiscal das debêntures incentivadas, a nova debênture de infraestrutura barateia o ônus fiscal do emissor.
Consequentemente, possivelmente o projeto, como um todo, deve ficar mais barato. Essa redução pode significar, inclusive, um menor valor para os títulos emitidos, o que deve atrair para o cenário do financiamento/investimento na infraestrutura, um outro perfil de compradores das debêntures.
Atualmente, os maiores compradores de debêntures incentivadas são pessoas físicas (conforme informações disponíveis nos sites da Anbima e do Ministério da Economia). É que o incentivo é totalmente orientado para esse tipo de investidor. O que se espera, em contraste, com o lançamento de debêntures de infraestrutura, é que os maiores interessados em adquirir os novos títulos sejam os fundos de pensão e os estrangeiros.
É que os fundos de pensão tem um regime tributário diferente (são isentos de imposto de renda). Então, as debêntures incentivadas não são lá tão atrativas para essa categoria de investidor. Mas com as debêntures de infraestrutura, os fundos de pensão poderão ter juros mais atrativos para o investimento a partir da compra deste título.
Assim, a proposição legislativa visa atrair pessoas jurídicas e investidores institucionais. Em casos como os fundos de pensão, que apresentam perfil mais vocacionado ao financiamento de infraestrutura, pela harmonia com o tempo dos fluxos de pagamento, sua personalidade jurídica em fundações imunes de IR não capturava os benefícios das debêntures incentivadas. Antes o contrário, a isenção que permite a emissão a juros inferiores, pela equivalência à taxa líquida ao comprador pessoa física, torna o papel incentivado menos atrativo ao fundo de pensão do que uma debênture regular com o mesmo risco.
Trazer os fundos de pensão para dentro do cenário da infraestrutura é uma prática desejável. Ao redor do globo é possível observar como o perfil de investimento desses atores está bastante condizente com a dinâmica dos investimentos em infraestrutura: longo prazo e retornos constantes.
Mas o apetite ao risco destes projetos considera o custo de oportunidade. Taxa de juros altas, de curto ou longo prazo, apresentam a oportunidade de prêmios elevados em ativos livre de risco de crédito, como títulos do tesouro nacional, ativos líquidos que costumam atrair recursos e rivalizar com outras alternativas de maior risco.
Além de criar espaço para entrada de fundos de pensão, o PL 2646 traz um incentivo cambial. A intenção é a de promover, também, proteção do risco de volatilidade da moeda e, com isso, atrair estrangeiros para a infraestrutura brasileira.
Por fim, e não menos importante, o projeto de lei cria a moldura para os chamados “green bonds”. Nessa categoria, o incentivo ao lançamento desse título pelo emissor é ainda maior. Ao invés de uma dedução de 130% do valor dos juros pagos, poderá ser praticado um percentual de 145% (50% a mais).
O PL lista setores que podem emitir greenbonds (p.ex. Saneamento, mobilidade limpa, redução de poluentes, entre outros) e condiciona o usufruto do beneficio fiscal adicional a certificação dos projetos por entidades especializadas nacionais ou internacionais.
Para o cenário brasileiro, diversificar o perfil e trazer mais financiadores e investidores dos projetos de infraestrutura - para além de ser uma boa prática - é uma medida necessária. Viabilizar novas formas de financiar a infraestrutura também se tornou urgente. Vale dizer que isso pode demandar esforços adicionais de coordenação para fomentar o ingresso de novos agentes no financiamento intensivo de infraestrutura.
Até porque, 2021 foi um ano marcado pela discussão a respeito do baixo índice de investimentos em infraestrutura. A discussão ficou ainda mais sensível com a publicação de estudo da Fundação Getúlio Vargas que apontou que o investimento no Brasil na última década seria o menor em 50 anos; e mais, que o Brasil teria sido o País com a menor taxa de investimento em infraestrutura do mundo.
O PL apresenta uma ferramenta interessante para aprimorar a agenda de investimentos privados em infraestrutura. Sua aprovação em ano de eleição é um sinal importante de que o Legislativo nacional considera o desenvolvimento da infraestrutura uma política de Estado, descolada das eventuais mudanças e turbulências recorrentemente geradas em períodos pré-eleitorais.
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