Em busca da correta valoração dos serviços ecossistêmicos e segurança jurídica
Isadora Cohen
Ana Carolina Sette
Eduardo Schutt
Publicado originalmente no JOTA
Uma metodologia robusta de quantificação e valoração dos serviços ambientais desenvolvida em nível nacional pode dar aos gestores públicos uma baliza mais segura para a implementação de programas de Pagamento por Serviços Ambientais, sem a necessidade de contratação de caros e complexos estudos técnicos ambientais e com maior segurança perante órgãos de controle
O Crédito de Carbono vem demonstrando viabilidade como mecanismo para monetizar práticas sustentáveis em escala mundial, apesar de ainda possuir caráter voluntário na maioria dos casos, deixando às empresas a decisão de realizar a redução ou o offset de suas emissões. Parte do sucesso do Crédito de Carbono decorre da existência de uma metodologia clara e eficiente para se aferir a redução ou o sequestro de carbono equivalente, gerado por determinada atividade ou projeto, além da governança da manutenção do lastro.
Nesse movimento de valorização de práticas sustentáveis, há uma série de oportunidades para o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) se tornar um meio de remuneração dos demais serviços ecossistêmicos não contemplados pelo Crédito de Carbono e que efetivamente possuem valor econômico. O arcabouço jurídico e regulatório do PSA, porém, ainda carece dos elementos que proporcionaram ao Crédito de Carbono uma ampla aceitação: uma forma transparente e universal de quantificação dos serviços ecossistêmicos, além de outros aspectos regulatórios fundamentais.
Essa oportunidade de se remunerar os demais serviços ecossistêmicos que estão fora do mercado de carbono pode ser vantajosa para setores da infraestrutura, tais como o setor elétrico e o de saneamento básico. As atividades de saneamento, que compreendem coleta e reciclagem de resíduos sólidos, geram insumos que podem ser aproveitados para a geração de energia elétrica a partir do biogás, que já vem sendo monetizada por meio do mercado de carbono.
Há que se reconhecer, entretanto, que além do carbono que deixou de ser emitido no processo, existem externalidades ambientais positivas decorrentes dessas ações e que podem ser valorizadas através do Pagamento por Serviços Ambientais, como a recuperação e preservação de nascentes e lençóis freáticos, por exemplo. Não apenas para o setor de infraestrutura, mas para o emprego geral deste instrumento, existem desafios de implementação que devem ser superados para que os serviços ecossistêmicos sejam devidamente valorizados e remunerados.
O PSA no Brasil tem caráter discricionário e é realizado, na maioria das vezes, por estados e municípios, ainda que em pequena escala. A lei vigente cria uma estrutura que reconhece a existência de provedores e beneficiários de serviços ecossistêmicos e permite a remuneração deste para aquele, facultando aos entes federativos a opção de implementar o mecanismo, as formas de implementação e o valor da remuneração. Apesar de constituir a base desta política pública, ainda há lacunas a serem preenchidas para ampliar a adesão ao instrumento.
Sem uma fonte de custeio indicada, sem uma rubrica orçamentária específica, sem uma metodologia clara de quantificação e valoração dos serviços ecossistêmicos para cada categoria de PSA e de uma uma governança robusta da manutenção do lastro dos serviços ambientais. Nesse cenário, é difícil imaginar que essa política deslanche para um amplo movimento de remuneração do devido valor da manutenção e recuperação da biodiversidade, dos recursos hídricos e da flora nativa.
Dentre esses pontos, nos parece que o mais importante é o amadurecimento de uma metodologia de valoração dos serviços ecossistêmicos. Sem prejuízo das demais lacunas, a existência de uma metodologia nacional de valoração de cada serviço ecossistêmico provido pela ampla gama de projetos que podem ser implementados, representaria medida relevante na direção de se conferir segurança jurídica e eficiência alocativa dos fatores de produção.
Uma metodologia nacional robusta, que sirva de referência aos entes subnacionais, pode dar aos gestores públicos dos demais entes federativos uma baliza mais segura para a implementação de programas de Pagamento por Serviços Ambientais, dispensando a contratação de caros e complexos estudos técnicos ambientais e conferindo maior segurança perante os Tribunais de Contas, Ministérios Públicos e demais órgãos de fiscalização e controle.
O que se vê hoje na prática é justamente fruto dessa ausência de parâmetros: i) municípios inseguros quanto à valoração e forma de pagamento pelos serviços, promulgação de leis municipais desprovidas de embasamento normativo, na tentativa de se estabelecer transparência e confiabilidade e; ii) questionamentos diversos por parte dos órgãos de controle quanto à legitimidade do PSA, quanto à ausência de arcabouço regulatório e de fiscalização que efetivamente ateste a prestação dos serviços, entre outros apontamentos que contribuem para esse quadro de incertezas.
Fato é, portanto, que a ausência de uma referência de ampla aceitação para os valores a serem pagos a título de PSA traz não apenas um contexto de insegurança generalizada, como pode fazer com que os programas sub ou super valorizem os serviços ecossistêmicos, prejudicando a alocação dos recursos econômicos.
Isso porque sempre que uma decisão econômica é tomada, são levados em consideração o retorno de cada uma das opções de atividade a serem desenvolvidas. Sem saber o real valor da floresta em pé, das nascentes e cursos d’água intactos e da biodiversidade preservada, a análise econômica das alternativas de projeto fica prejudicada por não considerar os efeitos gerais e indiretos sobre a sociedade, e até do ponto de vista do retorno econômico individual.
Partindo desse cenário atual e de toda a potencialidade de geração de benefícios múltiplos do PSA, o estabelecimento de metodologia eficiente e replicável, que abarque diferentes realidades país afora, poderia, na nossa visão, conferir segurança jurídica, institucional e ambiental para que o PSA atinja os avanços e a consolidação no mercado conquistada pelo crédito de carbono.
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