Matriz de alocação de riscos tem um importante papel na busca por segurança jurídica
Isadora Chansky Cohen
Caio Albuquerque
Publicado no JOTA
A busca pela eficiência nos contratos administrativos tem sido a pauta de muitas discussões e inovações legislativas. Já não é novidade a compreensão de que os contratos são incompletos, por faltar às partes a possibilidade de previsão total das contingências em potencial. Essa incompletude é uma característica comum dos contratos, assim como as falhas são comumente encontradas em mercados[1].
É por isso que a matriz de alocação de riscos tem um importante papel na busca por segurança jurídica diante de eventos futuros que podem afetar a relação. Essa alocação de riscos entre os contratantes está intimamente ligada à eficiência e ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato[2].
Considerando que a nova Lei de Licitações (Lei 14.133/2021) trouxe incentivos para a adoção generalizada de métodos de gerenciamento de riscos, especialmente por meio da ampliação da previsão das possibilidades de uso da matriz de riscos, é necessário explorar soluções que tragam eficiência para a modelagem contratual.
Uma dessas soluções que podem beneficiar os contratos administrativos em geral, especialmente os de obras públicas, pode ser a inclusão de bandas de riscos para a variação de certos insumos estratégicos nas matrizes de riscos dos contratos administrativos.
Trata-se de uma forma de compartilhamento de riscos decorrente do estabelecimento de valores máximos e mínimos dentro dos quais considera-se mantido o equilíbrio do contrato e fora dos quais, a depender da situação, é devida a compensação por uma das partes do contrato.
Muitos contratos de concessão já incluem essa lógica das bandas de riscos, especialmente no que tange ao risco de demanda e ao de variação cambial. A título de exemplo, a Artesp estabeleceu, no contrato de concessão patrocinada do Projeto Tamoios (Concorrência internacional 1/2014), uma previsão específica acerca do compartilhamento do risco de demanda. De acordo com o anexo 25 do contrato, há um limite de 10% para as variações positivas ou negativas da Receita Tarifária Projetada. Dentro do limite, não há qualquer alteração do valor da contraprestação mensal devida pelo poder concedente ao parceiro privado. No entanto, superados os limites, é necessária a alteração na contraprestação, para mais ou para menos, de modo a recompor o equilíbrio contratual.
Já os britânicos têm o chamado Contract for Difference (CfD), que segue uma lógica semelhante. Por meio dele, são estabelecidos limites mínimos e máximos para variações dos custos e, quando os limites são superados, há o pagamento de um subsídio (variação positiva) ou o contratado devolve valores do excedente tarifário (variação negativa). Essa espécie contratual costuma ser aplicada a ativos de produção de energia para dar maior estabilidade de retorno pelos investimentos e, ao mesmo tempo, proteger consumidores contra altas tarifas.
Nesse sentido, por que não utilizar esses mecanismos em contratações comuns de obras públicas?
A regulamentação mais ampla da matriz de alocação de riscos na nova lei de licitações abre margem para mecanismos contratuais que reflitam de forma mais adequada e eficiente o equilíbrio econômico-financeiro. Com fundamentos técnicos adequados, um desses mecanismos pode ser o compartilhamento de riscos de acordo com níveis toleráveis de alteração dos custos contratuais, considerando variações positivas e negativas.
A regra atual dos contratos administrativos é que somente haja alteração de valores a cada ano, na data do reajuste. Excepcionalmente, os preços podem ser alterados por conta de variações extraordinárias, mediante um procedimento de reequilíbrio econômico-financeiro (art. 124, II, “d”, da Lei 14.133/2021).
No entanto, os procedimentos relativos ao reequilíbrio dos contratos administrativos costumam ser morosos e complexos, havendo pouca ou nenhuma regulamentação objetiva sobre as formas de cálculo do desequilíbrio e das formas de reequilíbrio.
Com efeito, o Tribunal de Contas da União (TCU) apresentou um relatório recente em que foram analisadas normas relativas ao reequilíbrio de contratos de obras públicas em razão dos efeitos da pandemia da Covid-19[3]. No Acórdão 2135/2023, de relatoria do ministro Benjamin Zymler, foi demonstrado que a caracterização do desequilíbrio é um ponto controverso, havendo poucas normas que identificam a forma de avaliação a ser adotada, seja por meio de análises de perda do lucro ou de percentuais dele, ou pela superação de índices históricos.
Para determinados insumos, a variação já é esperada pela própria formatação da precificação. É o caso clássico dos combustíveis, que possuem uma forte correlação com o mercado internacional e situações externas como a Guerra da Ucrânia e a pandemia geraram impactos significativos. No caso das obras públicas, os combustíveis não são o principal insumo, mas eles podem afetar fortemente o uso de maquinário pesado.
Essa característica, somada ao reajuste anual dos contratos, comumente gera um descompasso entre os valores pagos e aqueles valores previstos no mercado. A tabela da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), inclusive, é atualizada mensalmente, o que também permitiria a fixação de parâmetros objetivos na matriz de alocação de riscos para a variabilidade desse insumo. A modelagem atual tem o efeito negativo de gerar um incentivo para que o contratado reduza o ritmo de execução da obra quando se aproxima da data do reajuste, caso em que obterá a vantagem de retomar o ritmo com preços atualizados.
Dessa maneira, a previsão no próprio contrato de mecanismos objetivos de manutenção do equilíbrio diante de variações de preços de insumos seria salutar. As bandas de riscos em uma matriz de alocação de riscos, em relação a insumos específicos e objetivamente precificáveis, permitiria trazer dinamicidade e eficiência à execução contratual.
Essa ideia está, inclusive, de acordo com o propósito da matriz de alocação de riscos: manter o equilíbrio do contrato. Tanto é que o art. 103, §5º, da Lei 14.133/2021 prevê que, enquanto atendidas as condições contratuais e da matriz, considera-se mantido o equilíbrio econômico-financeiro, tornando desnecessários os pedidos de restabelecimento do equilíbrio relacionados aos riscos assumidos. É juridicamente viável, por conseguinte, estabelecer limites máximos e mínimos de variação do preço de determinado insumo e prever um realinhamento automático do contrato, para mais ou para menos, dentro dos paramentos fixados.
A nova Lei de Licitações pode não ter quebrado paradigmas em termos de contratações públicas, mas abriu uma margem necessária para ferramentas voltadas para uma melhor execução dos contratos. Nesse contexto e com esse propósito, ainda há muito a ser explorado no âmbito das matrizes de riscos.
[1] MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise Econômica do Direito. Tradução: Rachel Sztajn. 2. Ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 420.
[2] Para aprofundamento, cf.: ALBUQUERQUE, Caio Felipe Caminha de. Riscos da matriz de riscos em contratos administrativos: análise de fragilidades e proposições de mitigação. Revista Fórum de Contratação e Gestão Pública – FGCP, Belo Horizonte, ano 22, n. 258, p. 31-53, jun. 2023.
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