Pandemia e Guerra da Ucrânia impuseram relevantes desafios aos projetos em fase de modelagem
Isadora Cohen
Felipe Schwartz
Publicado orginalmente no JOTA
No dia 5 de maio de 2023, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou o fim da Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII) referente à COVID-19. Foram 3 anos intensos que mudaram relações, trabalhos e vivências de uma maneira nunca vista.
Não precisamos ir muito longe para lembrar como a pandemia afetou consideravelmente os projetos de infraestrutura. Nos projetos em andamento, a frustração de demanda foi tema central, ensejando diversas discussões sobre reajuste tarifário, bem como sobre reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos.
De igual modo, inúmeros projetos em fase de modelagem foram paralisados e recalculados a partir das demandas daquilo que se convencionou chamar de “novo normal”.
O cenário pandêmico foi agravado, ainda, pela invasão russa à Ucrânia no início de 2022. Quando os efeitos da pandemia pareciam dissipar-se e diversos leilões de concessões e PPPs já estavam acontecendo, a guerra trouxe um aumento substancial aos valores dos insumos e a iminente necessidade de atualização dos valores de investimentos dos projetos.
A combinação da pandemia com o conflito no leste europeu impôs relevantes desafios aos projetos de infraestrutura em fase de modelagem.
Foi necessário que os gestores públicos fizessem a lição de casa: segurassem o lançamento dos projetos, visando atualizar valores de Capex e Opex, repactuar encargos e redimensionar a demanda no cenário do “novo normal”.
Em suma, diversos ativos relevantes estavam nos pipelines, mas para serem lançados exigiam uma atualização de Capex, Opex e demanda.
Projetos que demandavam grandes investimentos, por exemplo, tais como rodovias e ferrovias, tiveram um aumento abrupto nos preços dos insumos, em especial aqueles mais dolarizados, caso dos materiais rodantes.
Nas rodovias, o patamar alto e persistente de insumos como asfalto e cimento obrigou que os projetos em fase de modelagem fossem revistos e atualizados para evitar leilões sem sucesso ou sobrecustos e, em consequência, reequilíbrios econômico-financeiros ao longo da execução contratual.
Mesmo assim, muitos gestores não fizeram a lição de casa e lançaram projetos desatualizados tanto do ponto de vista dos custos, quanto da previsão de demanda.
Não foi o caso do projeto do Trem Intercidades (TIC Eixo Norte), lançado recentemente pelo Governo de São Paulo. O projeto inclui a construção e a operação do trem expresso ligando São Paulo, Jundiaí e Campinas e do trem parador intermetropolitano, ligando Jundiaí e Campinas, além da operação da Linha-7 atualmente operada pela CPTM.
Após anos de modelagem, em meio à pandemia, o TIC Eixo Norte teve que ser atualizado, sobretudo do ponto de vista da demanda: novamente estudada e projetada a partir dos impactos do “novo normal”.
Quando o projeto parecia perto do lançamento, houve aumento vertiginoso no valor dos insumos do projeto em razão invasão russa à Ucrânia. Exigiu-se, novamente a atualização dos valores de Capex e de Opex.
No setor rodoviário, um exemplo interessante é a concessão da rodovia PE-60, famoso acesso ao litoral sul pernambucano e que faz divisa com Alagoas. O projeto tem sido estruturado pelo BNDES com a coordenação da Secretaria de Planejamento e Gestão do Pernambuco.
O projeto é uma rota turística de relevante atratividade e demanda que está na fase de revisão editalícia justamente para que sejam atualizados os valores de Capex, Opex e demanda, ainda afetados pelo cenário pós pandêmico e pelo aumento do valor dos insumos.
O Governo Mineiro, por sua vez, foi mais longe e trouxe uma importante inovação contratual no já licitado – com grande sucesso – projeto do Rodoanel da Região Metropolitana de Belo Horizonte.
No Contrato, o poder concedente assume o risco de eventuais alterações extraordinárias no cenário macroeconômico que impliquem em variação global nos insumos das obras e serviços.
Desse modo, o poder concedente responde pela alteração caso o aumento no valor dos insumos represente uma variação maior do que 20% em relação aos valores previstos orçamento base.
Se tudo correr conforme esperado em ambos os projetos, a boa lição de casa feita pelos governos paulista, pernambucano e mineiro tem a capacidade de resultar em leilões de sucesso e, em especial, em projetos com menos suscetibilidade às variações de custos que ocasionem desequilíbrios no contrato.
Os casos ilustram que a vontade e a demanda de lançar novos projetos deve ser contrabalanceada com a necessidade de se ter projetos com valores atualizados, que reflitam o contexto e a exigência de custos.
A lição de casa malfeita, ou seja, a não atualização dos valores do projeto, pode colocar em xeque o sucesso no cenário, agora definitivo, de pós-pandemia.
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